Sexta-feira SANTA é um dia marcante

No tempo de Madrinha, no longínquo Lamarão, interior do Distrito de Catolés, então Município de Piatã, não obstante com apenas 2 anos, mais ou menos, recordo que, morando com Madrinha Olimpia, madrinha era o tratamento que todos os netos, noras e amigos da faixa etária dos netos, dispensavam a minha Avó Olímpia. Não sabia a razão, mas, a via, numa certa época do ano, após fazer o sinal da cruz, ungir nossa testa com cinza. Após, dirigia-se ao Nicho e cobria todas as imagens com pano cor roxo ou preto. Depois de algum tempo, passávamos três dias sem comer carne e em quase absoluto silêncio. No terceiro dia, não tomávamos café da manhã, o silêncio era absoluto e não se ordenhava. O leite era consumido pelo bezerro nas mamas da vaca. O prato principal do almoço era surubim e abóbora. À tarde ela reunia todos, rezava no nicho e em cada canto da casa. Na tarde do dia seguinte, ao tempo em que entoava hino em louvor de Jesus, descobria as imagens e pronunciava em voz alta: aleluia, aleluia, aleluia. Ao final, nossa vida voltava à normalidade, com direito a barulho.

Na escola, mas, ainda criança, aprendi nas aulas de catecismo que a unção era na Quarta-Feira de Cinzas e os três dias de abstinência de carne eram quarta, quinta e Sexta-Feira Santa. E a reza ao pé do nicho e nos cantos da casa era a Via Sacra, prática devocional na tentativa de reproduzir o percurso de Jesus a carregar a cruz para o Monte Calvário.
Mas, a Sexta-Feira Santa que também ficou indelével, foi 15 de abril de 1960.
Na época, sob o pastoril do Padre Sinval Laurentino de Medeiros, ainda se preservava a tradição da Igreja católica, sem as reformas posteriores. Só quebrava o silêncio, cânticos religiosos, principalmente gregoriano.
Após o almoço, encontrava-me na venda de João Pedro, no Mercadão, quando chegou alguém dizendo: “bodinha morreu”. Bodinha era o diminuitivo de Boda, apelido de Raimundo de seu Loxa.
Embora conhecesse muito pouco Raimundo, era colega e considerava amigo de Carlito seu irmão. Fui até Carlito e lá soube que José Raimundo também tinha morrido. Ambos foram vítimas de desabamento de Pensionato em Salvador.
José Raimundo era caminhoneiro e ex-motorista da Prefeitura de Piatã, na gestão de meu pai João Hipólito Rodrigues. Além do que, era casado com Aída, filha de seu Antônio Soares, morador em Piatã, amigo de meu em Pia.

O silêncio da Sexta-Feira Santa foi rompido com o choro, gemidos e soluços de familiares e amigos de Boda e Zé Raimundo. Zé Raimundo, no dito popular, era muito família. Tanto que, no para-choque de seu caminhão tinha escrita a frase “Quem eu amo é Marizé”. Marizé é sua filha.
Certa feita, estando em companhia de seu Artur, motorista da Nove Horizonte, na Praça Marechal Floriano Peixoto, conhecida como Praça do Caminhoneiro, no bairro Pilar em Salvador, ele apontou para os escombros de um casarão e disse “foi ali que Zé Raimundo e Raimundo de Loxa morreram”.
Portanto, diante do que expus, a Sexta-Feira Santa é um dia marcante para mim e certamente, mais ainda, para os familiares de Zé Raimundo e de Raimundo Boda, Raimundo de Loxa.

Desejo a todos, muito boa páscoa.